As águas do Parque Municipal

Elisa Marques – Livro Guia Morador Belo Horizonte

Avenida Afonso Pena, 1377, Centro

O Parque Municipal Américo Renné Giannetti está no centro de Belo Horizonte. Inaugurado em 1897, foi construído nos terrenos da antiga Chácara do Sapo, onde viveu o engenheiro Aarão Reis durante as obras de construção da nova capital mineira. De sua área original de sessenta hectares, permanecem hoje apenas dezoito, devido a diversos desmembramentos ocorridos até os anos 1970, quando foi tombado pelo Estado como bem cultural.

Existem vários passeios guiados e trilhas para visitantes, tendo como temas os monumentos, a fauna ou a flora do parque; mas para se conhecer o circuito das águas, que integra as lagoas, cascatas, fontes e bebedouros, nada como uma volta na companhia do bombeiro-eletricista responsável, o Oliveira. Funcionário da Fundação de Parques Municipais da Prefeitura desde 2008, parece que Oliveira trabalhou ali a vida toda, tamanha a sua dedicação e o grau de detalhe com que conhece cada canto. Sabe de cor todo o mapa das instalações de luz e água do parque e se entusiasma ao mostrá-las e explicar as ligações entre elas.

O tour começa pela entrada da Alameda Ezequiel Dias, junto à qual está um ponto-chave do circuito, o receptor e distribuidor das águas de uma nascente localizada sob o prédio da Fundação Hemominas. No projeto original, a mina integrava a área do parque, mas depois passou a ser parte do terreno da área hospitalar da cidade e a ter sua vazão canalizada diretamente para o ribeirão Arrudas. Em 2007, a Prefeitura remanejou esse trajeto, direcionando-o novamente para o interior do parque, de maneira a aproveitar a água naturalmente limpa para abastecer suas lagoas e compor seu projeto paisagístico. Desde então, há ali um arranjo entre três principais fontes de água: da Mina do Hemominas, da Copasa e de poços artesianos.

Originalmente, as lagoas eram abastecidas principalmente pelas águas do córrego do Acaba Mundo, que nasce no pé da serra do curral, na região onde ficam hoje as praças Alasca e JK, no final do bairro Sion. O córrego desce, canalizado, pela avenida Uruguai, passa pela rua Professor Morais, pela Pernambuco e finalmente chega à avenida Afonso Pena, por onde segue até entrar no parque. Recentemente descobriu-se em frente ao Palácio das Artes uma galeria subterrânea de cinco metros de altura, construída em forma de arcos de cantaria em 1898 para a passagem do rio. Mas o Acaba Mundo recebe fluxos de esgoto e de chuva desde a fundação da cidade e as lagoas do parque se tornaram insalubres. O seu curso foi então desviado e canalizado também no interior do parque e hoje se pode apenas ouvi-lo, sob uma enorme tampa em concreto.

A Cascata do Quiosque é o primeiro ponto de passagem do fluxo que hoje vem da mina. Em meio a arbustos e pedras, a água corre livre pelo solo, seguindo até a Lagoa do Quiosque. Como ela é aberta e de fácil acesso, as pessoas gostam de tomar banho e lavar roupas ali, o que a guarda municipal e outros funcionários do parque se esforçam para impedir. Dentro do quiosque, no centro da lagoa, fica uma estátua em mármore em homenagem a Deusa das Águas.

Oliveira gosta de dizer que a Cascata do Quiosque tem uma filha, cascatinha dos Marrecos, que também recebe uma parte de sua águas. Quando é tempo de seca e o volume diminui, uma válvula é ativada para a combinação com um dos poços artesianos. A cascatinha, portanto também é sempre pura. “Não tem cloro, não tem nada”.

Perto dos brinquedos, está a Cascatinha de São Francisco de Assis, que é uma espécie de oratório dedicado ao santo protetor dos animais. Ela fica em uma praça onde aconteciam os encontros dos “Caminhantes do Parque”, um projeto para a recuperação de dependentes químicos.

Além da mina do Hemominas, todas as três lagoas — do Quiosque, dos Marrecos e dos Barcos — têm nascentes em seu interior. Nos fundos acimentados dessas lagoas foram deixados propositalmente alguns buracos, para a entrada das águas que brotam do subsolo. Há ainda outro olho d’água dentro do parque, que pouca gente conhece. Oliveira explica que nas imediações do Othon Palace Hotel todo o solo é permeado por água. Como aquela região é mais elevada, formam-se fluxos difusos que escorrem e se encontram naturalmente, passando por debaixo da avenida Afonso Pena e chegando até o parque. Lá dentro, nos jardins que ficam abaixo do Teatro Francisco Nunes, há uma vala subterrânea que centraliza toda essa água e faz com que ela escorra até a Lagoa dos Barcos. É possível ver essa vala ao levantar algumas tampas de ferro que ficam ali, na grama. Os jardineiros comentam que, se não existisse essa drenagem, ali haveria um brejo.

Outros elementos importantes do circuito das águas são os bebedouros. O Bebedouro dos Burros é uma espécie de poço que se localizava originalmente na praça da República, atual praça Afonso Arinos. Os tropeiros que antigamente atravessavam a cidade passavam por lá para refrescar seus animais. Agora instalado no parque, ele ganhou um chafariz que atrai os visitantes em época de calor. Os cavalos da polícia também gostam de passar por ali.

Há outros bebedouros antigos usados pelos visitantes. São o Bebedouro da Jaqueira, com cinco bicos, o dos Leões, na Praça do Sol, e o da Lagoa dos Barcos. Atualmente sete novos pontos de água potável foram instalados e outros três estão por vir. São bebedouros em aço, acionados por pedais, “muito mais higiênicos e econômicos”, defende Oliveira.

No fim do passeio, Oliveira conclui: “Tem muita água aqui. Minas Gerais, o Estado já traz no nome o que ele é, cheio d’água.” Nascido em Montalvânia, no norte do estado, Oliveira cresceu perto do rio Carinhanha, que passa no fundo do quintal da casa de sua mãe. Por isso, diz que não pode viver longe da água, como o sapo. Para matar a saudade de seu rio, caudaloso e corredeiro, o carrega consigo em seu celular, em um vídeo gravado nas últimas férias.

Se você gostou deste texto não vai querer perder o post da próxima semana, que contará mais sobre a história e as curiosidades do Parque Municipal!

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