O Parque Municipal Américo Renné Giannetti foi a primeira área de lazer construída para os belorizontinos. Inaugurado três meses antes da nova capital, objetivava ser um espaço para o passeio, lazer e prática de esportes.
Neste post, abordaremos a importância do Parque Municipal para a cidade de Belo Horizonte através da sua trajetória. Apresentaremos, ainda, a relação do Parque com seu público, suas apropriações e significados.
Um parque idealizado
A cidade de Belo Horizonte foi uma das primeiras cidades brasileiras planejadas. Com base na experiência francesa, o engenheiro Aarão Reis projetou extensos bulevares, salpicados de parques e praças ajardinadas.
O Parque Municipal ficou à cargo do arquiteto-paisagista francês Paul Villon. Em seu projeto original, constava cassino, restaurante, observatório meteorológico, ponte artística e um majestoso portão de entrada. Alamedas, gramados, bosques e lagos embelezariam o ambicioso projeto natural, em estilo romântico.
Assim como os demais equipamentos, o parque foi inaugurado apenas com uma parte finalizada. Originalmente ocupava uma área de 600 mil metros quadrados, tendo como limites as Avenidas Afonso Pena, Mantiqueira (atual Alfredo Balena), Araguaia (atual Francisco Sales) e Tocantins, (atual Assis Chateaubriand).
Atualmente, o parque conta com cerca de 182 mil metros quadrados. O processo de encolhimento de sua área original começou já em 1905, com a construção da Faculdade de Medicina (hoje Campus da UFMG), o Centro de Saúde do Estado, a moradia estudantil Borges da Costa, o Teatro Francisco Nunes e o Colégio Imaco.
Ocupa o parque, ainda, um dos principais complexos culturais de Belo Horizonte: a Fundação Clóvis Salgado, com escolas e programas de artes, espaços de exposição, cinema e auditórios, com destaque para o Palácio das Artes.
Caldeirão cultural
Durante o Século XX, o Parque Municipal, juntamente com a Praça da Liberdade, eram os principais locais para realização de eventos. O Velo Club, inaugurado em 1898 e onde se encontra o atual Teatro Francisco Nunes, promovia grandes festas esportivas. Em 1908, um grupo de adolescentes fundou no parque o Clube Atlético Mineiro.
O atual Mercado das Flores tratava-se de uma Estação de Bonde construída na década de 1920. Do outro lado da Avenida Afonso Pena, o Bar do Ponto tornou-se referência do centro da cidade e sua região era local de encontro de grandes escritores brasileiros, como Carlos Drummond de Andrade, Pedro Nava e Emílio Moura.
O Movimento Modernista ganhou a cidade nos anos 40. Grades foram retiradas e eventos organizados com maior frequência, como o piano ao ar livre, jogos de futebol, peteca, natação e remo.
Intelectuais, escritores e artistas – como Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos, Otto Lara Resende e Hélio Pelegrino – tinham no parque seu “encontro marcado”. Alberto da Veiga Guignard transferiu o curso de artes que ministrava para o parque, após a dissolução do Instituto de Belas Artes.
Um parque para tudo
Hoje, o Parque Municipal continua sendo um lugar importante de cultura e lazer. Há várias opções de passatempos e recreações para todas as idades.
Aos domingos, a Fundação Municipal de Cultura abre um Ponto de Leitura ao redor do Coreto. São centenas de livros para crianças, jovens e adultos. Revistas, jornais e gibis também podem ser lidos no local.
O Parque convida à prática de esportes, com quadra de tênis, pistas de patinação e de cooper, aparelhos de ginástica, lagos com barcos à remo e pedalinhos. Bosques, caminhos, trilhas e recantos diversos com bancos e jardins… os fins de semanas e os feriados ficam cheios de pessoas que aproveitam para passear e fazer piqueniques nos gramados do parque.
Para as crianças, o parque possui carrossel, roda gigante, minhocão, twist e escorregadores, dentre outras opções. Se a entrada no parque é gratuita, os brinquedos demandam a compra de ingressos. Há também o passeio de barquinho em um dos três lagos. Neste caso, o valor é cobrado de acordo com o tempo do passeio. Pontilham o parque, aqui e ali, carrinhos de pipoca e algodão-doce.
O programa Concertos no Parque já é uma tradição. Realizado pela Fundação Clóvis Salgado, promove concertos gratuitos de música erudita em meio à natureza. Além deste programa, diversos artistas dos mais variados estilos se apresentam ali.
Esta área verde funciona, ainda, como travessia de pedestres, que cortam caminho rumo às principais avenidas do Centro (como avenidas Afonso Pena e dos Andradas), transformando a aridez do concreto em um trajeto bucólico e agradável.
Um parque para todos
Vários públicos se apropriam do Parque, cada um a seu modo, construindo efetivamente a espacialidade desse lugar. O local é frequentado por todas as classes sociais com várias finalidades e propósitos, tais como estudo, trabalho e lazer.
O grupo dos fotógrafos lambe-lambe resiste ao tempo, mesmo na era digital dos selfies e celulares. Guardam e preservam o tempo da memória de quantos já passaram no Parque. Fazem dali seu local de trabalho.
O grupo dos albergados e pessoas em situação de rua frequentam esta região. Muitos são trabalhadores em busca de emprego longe de sua terra natal, dormindo sob as árvores, pejados de esperanças que a metrópole não raro é incapaz de atender.
No parque é possível ver de tudo. Grandes famílias, curtindo o sol no gramado. Grupos de jovens que, nas tardes de domingo, encontram-se nos bancos para se divertirem e paquerar. Os usuários do parque também formam tribos, como a comunidade LGBT+, prostitutos e grupos religiosos.
Entre conflitos e diálogos, entre convívios pacíficos e segregações, os mais diversos atores urbanos habitam o Parque Municipal, este lugar de público plural e eclético.
Um parque para encontrar consigo mesmo
O Parque Municipal constitui-se como um lugar democrático e, por isso mesmo, um espaço de acolhida, apropriado pelo público que nele sente a liberdade de se expressar e de simplesmente ser.
O parque não impõe uma atividade, um ritmo ou um tempo. Ele se apresenta como um refúgio temporário em meio ao verde, onde é possível encontrar o outro e também silenciar a alma, num encontro consigo mesmo.
Parque palimpséstico: vem novidade por aí no site
No dia 28 de junho de 2019, foi realizada uma visita mediada à exposição Cidade Palimpséstica, onde o parque marcou presença em fotos antigas da capital mineira, pertencentes ao acervo do Laboratório de Fotodocumentação Sylvio de Vasconcellos (LAFODOC/UFMG).
Os participantes da atividade educativa construíram um diálogo sobre cidade, pertencimento, memória e transformação. Ao final do passeio, realizaram um piquenique no Parque Municipal.
Texto desenvolvido pelos alunos Daniel Batista de Souza, Lucas Thiago Fernandes Andrade e Nárrima Dutra Nacur, na disciplina optativa “Textos de Exposições e Museus: Impressões em papel, tecnologias digitais e web writing” do curso de Museologia da UFMG, sob orientação da professora Ana Cecília Rocha Veiga.
Referências
COMPANHIA VALE DO RIO DOCE. Parque Municipal: crônica de um século. Belo Horizonte: CVRD, 1992.
Costa, S., Álvares, L., Maciel, M., Teixeira, M. C., Coimbra, V., Simão, K., Perna, S. de, & Godinho, L. (2009). Os Espaços Livres na Paisagem de Belo Horizonte. Paisagem E Ambiente, (26), 51-72. Disponível em: <https://doi.org/10.11606/issn.2359-5361.v0i26p51-72> Acesso em: 03 de Dez. de 2019.
GALERA, Izabella. Os parques do século XIX em meio à cidade contemporânea: um estudo comparativo entre o passeio público de Curitiba e o Parque Municipal de Belo Horizonte. Disponível em: <https://repositorio.ufmg.br/handle/1843/MMMD-ADMLG2 > Acesso em: 03 de Dez. de 2019.
GALERA, Izabella; GARCIA, Paula M. Brasil. Alegorias do tempo: uma reflexão sobre a transformação da paisagem do Parque Municipal de Belo Horizonte. Disponível em: <http://anpur.org.br/xviienanpur/principal/publicacoes/XVII.ENANPUR_Anais/ST_Sessoes_Tematicas/ST%207/ST%207.8/ST%207.8-02.pdf> Acesso em: 03 de Dez. de 2019.
GÓIS, Aurino José. Parque Municipal de Belo Horizonte: Público, apropriações e significados. Disponível em: < http://www.biblioteca.pucminas.br/teses/CiencSociais_GoisA_1.pdf> Acesso em: 03 de Dez. de 2019.