Sylvio de Vasconcellos e o Laboratório de Fotodocumentação: Viaje no tempo em imagens antigas do LAFODOC

Sylvio de Vasconcellos nasceu na capital mineira, em 14 de outubro de 1916. Foi professor da então Escola de Arquitetura da Universidade de Minas Gerais, hoje UFMG.

Considerado um dos precursores do movimento modernista brasileiro em Minas Gerais, desenvolveu também vários trabalhos que tiveram como elemento central o Barroco Mineiro e a formação dos primeiros núcleos urbanos em nosso Estado.

Assumiu a direção da Escola de Arquitetura entre os anos de 1963 e 1964, trabalhando ainda no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). Responsável pela disciplina de Arquitetura no Brasil, conduziu relevantes pesquisas históricas.

Uma de suas grandes contribuições para o registro e a documentação da arquitetura mineira foi a implantação do Laboratório de Fotodocumentação da Escola de Arquitetura da UFMG, o LAFODOC. Criado em 1954, constituiu-se a partir da visão de vanguarda de Sylvio, que procurava estruturar novas formas de aprendizagem, interligando conceitos e práticas.

Uma das maiores contribuições do LAFODOC foi a geração de material de referência para as disciplinas do curso de arquitetura, pois poucos eram os livros e textos disponíveis naqueles tempos.

Juntamente com os alunos, Sylvio buscou inovar também nos processos avaliativos. A partir de temas livres relacionados às suas disciplinas, definiu como um dos métodos de ensino o registro fotográfico do acervo arquitetônico e artístico de relevância no Estado de Minas Gerais.

Professor Sylvio de Vasconcellos (1960). Fonte: LAFODOC.

No acervo do LAFODOC, estes documentos visuais de referência revelam tanto a realidade urbana quanto a rural. Sua riqueza e diversidade de transcrições permite relevantes análises do desenvolvimento da arquitetura do período.

Fotógrafos na estrada: os bastidores do LAFODOC

Após tantos anos de registro, hoje o LAFODOC guarda um dos mais importantes acervos fotográficos de arquitetura e urbanismo do país, reunindo cerca de 50.000 negativos. Destes, aproximadamente metade já foi digitalizada e disponibilizada para consulta on-line.

As imagens foram produzidas por uma equipe que integrava professores, fotógrafos e técnicos. Em pesquisas e viagens de campo, dedicaram-se a registrar a arquitetura colonial mineira, as construções das primeiras décadas de Belo Horizonte e exemplares do modernismo brasileiro.

Foram realizadas em um momento de intensa transformação nas paisagens urbanas em nosso país, decorrentes do crescimento populacional. Por isso mesmo são importantes documentos que exploram a diversidade de estilos e técnicas construtivas, além dos modos de morar e habitar as cidades.

Vários fotógrafos contribuíram para a formação do acervo, dentre os quais se destacam: Gui Tarcisio Mazzoni, um dos primeiros funcionários do laboratório (fotografia abaixo) e Marcos de Carvalho Mazzoni. Outra figura importante para o LAFODOC foi o colaborador Archimedes Correia de Almeida, técnico em microfilmagem da Escola de Arquitetura da UFMG.

Registrando as imagens: o processo de catalogação

Em sua estrutura, o LAFODOC conta com áreas especializadas, promovendo a salvaguarda do patrimônio fotográfico, tais como a sala de climatização e o laboratório de revelação. As coleções receberam, ainda, uma classificação dos registros:

1. Arquitetura colonial mineira: Registro das principais cidades históricas mineiras nos anos 1950 e 1960; registro arquitetônico dos principais monumentos dessas cidades; registro da arte aplicada relacionada aos monumentos arquitetônicos documentados; o mobiliário e as artes plásticas.

2. Arquitetura em Belo Horizonte:
Dividida em três grupos:
– Arquitetura Eclética, que compreende as construções do final do século XIX até a década de 1960;
– Arquitetura Déco, com registros das principais edificações do estilo na capital mineira, entre as décadas de 1930 e 1960;
– Arquitetura Moderna, com registros arquitetônicos entre os anos 1940 e 1960;
Além dos interiores das edificações durante os três períodos.

3. Arquitetura Moderna no Brasil: apresenta o registro da produção arquitetônica modernista, entre os anos 1940 e 1960, com destaque para  edificações das cidades do Rio de Janeiro e Brasília.

4. Universidade e Escola de Arquitetura: registros das atividades acadêmicas, espaços e eventos significativos do cotidiano da Escola de Arquitetura e do Campus Universitário da Pampulha.

O laboratório documentava, ainda, inúmeras residências humildes que compunham o cenário das cidades mineiras e a arquitetura rural. Se manifesta, assim, outro viés modernista: o da preocupação social. Há extenso registro do modo de habitar das classes populares, notadamente num inventário das favelas de BH, que resultou no terceiro livro da coleção Documentários Arquitetônicos: Favelas, como veremos em breve neste blog.

Para estruturação do acervo foram produzidos os Livros de Registro das Fotografias, nos quais eram anotados os locais das fotos e o que deveria ser fotografado, de acordo com as demandas trazidas pelos professores da Escola de Arquitetura. (Figura 3)

Livro de registros das fotografias do LAFODOC (2018).
Fonte: Beatriz Fernandes Conter Pinheiro.

O livro contém as seguintes colunas:

  • Assunto.
  • Monumento.
  • Local.
  • P.N (nº da pasta).
  • N.N (nº da foto).

Cabe notar a mudança de caligrafia somente no livro de número três, mas não há identificação de datas específicas e o nome dos fotógrafos.

Uma gráfica de relevância internacional

Nos anos seguintes à formação do LAFODOC, Sylvio de Vasconcellos inaugurou também a Seção de Pesquisas e a Gráfica, responsáveis pela publicação de títulos e coleções como o Documentário Arquitetônico. A série retrata o esforço de produção do conhecimento acerca de variados temas:

  • Documentário Arquitetônico v. 1: Alpendres (1960).
  • Documentário Arquitetônico v. 2: Pavimentação (1960).
  • Documentário Arquitetônico v. 3: Favelas (1961).
  • Documentário Arquitetônico v. 4: Forros (1961).
  • Documentário Arquitetônico v. 5: Primeiras casas de Belo Horizonte (1961).
  • Documentário Arquitetônico v. 6: Fazendas mineiras (1969).

Na década de 1960, os três setores (LAFODOC, Pesquisa e Gráfica) trabalharam em ritmo intenso. Foram diferentes publicações, tais como estudos técnicos, críticas especializadas, pesquisas estéticas e amplo material da arquitetura e artes em Minas Gerais e algumas regiões do Brasil.

Nessa oportunidade, foram iniciadas as edições da Escola de Arquitetura que, entre 1961 e 1963, apresentaram 67 títulos, cujos autores, em sua maioria professores da Escola, tinham sua competência reconhecida nacional e internacionalmente.

O laboratório organizava, para estes fins, expedições e viagens, com o objetivo de formação de acervo. Todo este vasto levantamento resultou nestas inúmeras publicações, promovendo a transmissão do conhecimento e a difusão cultural.

Não obstante sua alta produtividade e, talvez por isso mesmo, em 1964 ocorreu o fechamento do LAFODOC em decorrência do golpe militar. Dois anos depois, em 1966, o professor Sylvio de Vasconcellos foi afastado de suas atividades acadêmicas e teve seus direitos cassados, culminando no seu exílio nos Estados Unidos.

O laboratório renasce com a democracia

Após cerca de 30 anos, na década de 1990, ocorreram algumas iniciativas para se recuperar o acervo e a vida do Laboratório, reinserido nas atividades de ensino, pesquisa e extensão da Escola de Arquitetura.

Por meio de um projeto de pesquisa, o professor Leonardo Barci Castriota coordenou sua revitalização, com a digitalização e disponibilização de seu acervo. Iniciou-se, assim, um trabalho sistemático de catalogação de suas coleções, com vistas à acessibilidade e ampla divulgação.

“Se, de fato, a composição desse acervo reflete o interesse teórico e o foco historiográfico dos pesquisadores modernistas de então, privilegiando a arquitetura colonial e a arquitetura moderna brasileira, ele não deixa de possuir também um amplo registro da arquitetura das primeiras décadas de Belo Horizonte, constituída predominantemente de edificações ecléticas. Dos palacetes afrancesados às casas-tipo da comissão construtora, das pinturas parietais nas varandas ao delicado trabalho em ferro, todos os detalhes dessa primeira arquitetura belo-horizontina são amplamente registrados pelas imagens do laboratório. Aqui é como se o olhar do documentarista – que tudo capta sem muito preconceito – corrigisse e complementasse o olhar do historiador de claro viés estético-ideológico. E é graças a esse olhar que hoje dispomos do registro de centenas de edificações que não mais existem, demolidas pela renovação incessante que caracteriza a cena urbana de Belo Horizonte.”

Leonardo Barci Castriota em Arquitetura Revista.

Palimpsesto congelado em imagens

O processo de digitalização do acervo resultou em mais de 25.000 imagens que passaram por procedimentos de conservação, com novo acondicionamento e a construção de uma sala climatizada. Estão previstos no projeto, ainda, a estruturação de espaços expositivos.

Para difusão deste precioso acervo buscou-se estabelecer uma rede de contatos com outras instituições que desenvolvem estudos nos campos da digitalização e do tratamento da informação, como o Arquivo Público Mineiro.

Dentre as abordagens metodológicas, adotou-se a perspectiva arquivologista, tendo por referências a Norma Internacional Geral de Descrição Arquivística e a Norma Internacional de Registro de Autoridade Arquivística para Entidades Coletivas, Pessoas e Famílias. A partir de então foi possível estruturar preliminarmente os metadados e disponibilizar o conteúdo já digitalizado em uma coleção on-line, que pode ser visitada clicando aqui.

Coleção on-line do LAFODOC, clique na imagem para visitar (ative o plugin do Flash em seu navegador para passear na coleção).

E as fotografias voltam para casa… visite a exposição Cidade Palimpséstica na Escola de Arquitetura e Design da UFMG!

Utilizando o acervo da LAFODOC, os alunos do curso de Museologia da Escola de Ciência da Informação da UFMG apresentam a exposição Cidade Palimpséstica, composta por mais de 100 fotografias que retratam as mudanças na paisagem arquitetônica da capital mineira. Mudanças estas que sobrepõe o traçado original elaborado por Aarão Reis, estabelecendo um contraste entre a cidade projetada e a cidade habitada.

A mostra, que já esteve no Metrô de Belo Horizonte e no Centro Cultural UFMG, agora retorna à sua casa – a Escola de Arquitetura, Urbanismo e Design da UFMG – lar do LAFODOC. Não perca esta oportunidade de viajar no tempo através de fotografias antigas, expostas neste belíssimo edifício histórico que abriga tantas memórias.

Exposição no hall da EAD/UFMG (1960).
Exposição Cidade Palimpséstica (2019).

Clique aqui para saber informações de visitação da exposição Cidade Palimpséstica na Escola de Arquitetura, Urbanismo e Design da UFMG!

Texto desenvolvido pelos alunos Beatriz Fernandes Conter Pinheiro, Isabela Rocha Leão Magalhães, Luíza Marques Fortes Araújo, Renata Fonseca Felicíssimo, Ronaldo André Rodrigues da Silva e Victor Zannini Carneiro Fonseca, na disciplina optativa “Textos de Exposições e Museus: Impressões em papel, tecnologias digitais e web writing” do curso de Museologia da UFMG , sob orientação da professora Ana Cecília Rocha Veiga.

Referências

BRASILEIRO, Vanessa Borges. Sylvio de Vasconcellos: um arquiteto para além da forma. 2007. 432 f. Tese (Doutorado em História) – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte. Disponível em: http://www.bibliotecadigital.ufmg.br/dspace/bitstream/handle/1843/BUBD-97KPXA/tesevanessa_borgesbrasileiro.pdf. Acesso em: 23 de Out. 2019.

CASTRIOTA, Leonardo Barci. Os alvos da história da arquitetura: João Boltshauser e Sylvio de Vasconcellos. IN: Arquitetura Revista, vol. 9, n. 2, p. 73-81, 2013. Disponível em: http://revistas.unisinos.br/index.php/arquitetura/article/download/arq.2013.92.01/3884. Acesso em: 23 de Out. 2019.

LAFODOC: Laboratório de Fotodocumentação Sylvio de Vasconcellos. Disponível em: http://www.forumpatrimonio.com.br/laboratorio/site.html. Acesso em: 23 de Out. 2019.

PINHEIRO, Celso de Vasconcellos; MAZZONI, Gui Tarcísio; MAZZONI, Marcos de Carvalho. Documentário Arquitetônico v.1: Alpendres. Belo Horizonte: Serviço Gráfico da Escola de Arquitetura da Universidade de Minas Gerais, 1960.

2 comentários em “Sylvio de Vasconcellos e o Laboratório de Fotodocumentação: Viaje no tempo em imagens antigas do LAFODOC

    1. Ficamos felizes com seu comentário, obrigado! Você tem razão: os registros artísticos são mesmo muito importantes para compreendermos e construirmos a sociedade em que vivemos.

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